Artigos | Postado no dia: 2 junho, 2025
Responsabilidade civil dos pais separados pelos atos danosos dos filhos menores

Conteúdo: Filho menor causou prejuízo a alguém? Mesmo separados, os pais podem ser responsabilizados por isso. Entenda como funciona essa obrigação legal e quando ela pode ser discutida judicialmente.
Texto explicativo
Ao longo da vida, especialmente em momentos de vulnerabilidade como a menoridade, os filhos podem cometer atos que resultam em danos a terceiros. Quando a estrutura familiar passa por uma reconfiguração, como a separação dos pais, surgem dúvidas legítimas sobre quem, legalmente, responde por esses atos. A responsabilidade civil dos pais por danos causados por seus filhos menores é um tema de grande relevância no direito brasileiro, e a jurisprudência, em especial a do Superior Tribunal de Justiça, tem firmado entendimentos cruciais para a elucidação dessas questões, demonstrando como situações complexas são enfrentadas e resolvidas pelo sistema judiciário.
O Código Civil estabelece, em seu artigo 932, inciso I (e o correspondente artigo 1.521, inciso I, no Código Civil de 1916), que os pais respondem civilmente pelos atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Esta responsabilidade é classificada como objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa dos pais na vigilância ou educação dos filhos. A evolução interpretativa e legislativa consolidou a ideia de que a responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores não se baseia em uma “culpa presumida” dos pais (como a culpa in vigilando ou culpa in eligendo), teoria que prevalecia sob a Súmula 341 do STF e interpretações anteriores do Código Civil de 1916 que exigiam a demonstração de culpa ou negligência do responsável para afastar a responsabilidade. O sistema atual, sob o Código Civil de 2002, em linha com o artigo 932, I, adota a responsabilidade objetiva, focando na reparação da vítima. A força da relação entre ascendente e descendente é tamanha que, diferentemente de outras hipóteses de responsabilidade por ato de terceiro, não há, em regra, direito de regresso do pai que pagou a indenização contra o filho incapaz, conforme expressamente previsto no artigo 934 do Código Civil. Isso visa preservar a solidariedade moral e econômica familiar, mantendo a integridade do núcleo familiar.
Um ponto central de debate e que frequentemente chega aos tribunais superiores diz respeito à interpretação das expressões “sob sua autoridade e em sua companhia” quando os pais não residem juntos ou a guarda é exercida primordialmente por apenas um deles. A literalidade desses termos poderia levar à conclusão de que apenas o genitor com quem o filho reside seria responsável. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, interpretando a norma à luz da complexidade das relações familiares modernas e do instituto do poder familiar, firmou entendimento no sentido de que a mera separação dos pais não isenta o cônjuge com o qual os filhos não residem da responsabilidade. A justificativa para essa posição reside na compreensão de que as expressões “autoridade e companhia” referem-se, essencialmente, ao exercício do poder familiar.
O poder familiar compreende um conjunto amplo de deveres e poderes dos pais em relação aos filhos, como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, orientação e vigilância. Esses deveres não se esgotam na guarda diária ou na proximidade física constante. A “companhia” mencionada na lei deve ser entendida mais no sentido da influência dos pais sobre a formação e o comportamento dos filhos do que como uma vigilância concreta e um contato físico permanente. Portanto, a responsabilidade parental subsiste mesmo que o menor, no momento do dano, não estivesse fisicamente ao lado do genitor. A simples ausência de residência conjunta com o(a) genitor(a) não configura, por si só, causa excludente de responsabilidade civil.
O Tribunal da Cidadania tem enfatizado que é necessário investigar se o poder familiar, com todos os deveres e poderes de orientação e vigilância a ele inerentes, persiste. Apenas um cenário de “esfacelamento” (quebra, desintegração) do poder familiar, comprovado pela ausência de relações e de exercício das funções parentais, poderia potencialmente afastar a responsabilidade do genitor não guardião. Contudo, a avaliação se há ou não esse esfacelamento usualmente exige a análise de fatos e provas, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ em sede de recurso especial, limitando a possibilidade de reverter, nesta instância superior, as conclusões das instâncias ordinárias baseadas no conjunto fático-probatório. Em outras palavras, se o Tribunal de origem, com base nas provas, concluiu que o poder familiar persistia, o STJ, em regra, não pode rever essa conclusão.
Diversos casos concretos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça ilustram a aplicação desses princípios e a complexidade envolvida na apuração da responsabilidade parental em contextos de separação.
No julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 220.930/MG (Relator Ministro Sidnei Beneti), interposto por José Margarido de Castro, a decisão agravada sustentava que a responsabilidade do pai pelo ato do filho persistiria, mesmo que o filho não estivesse sob sua guarda e proteção, se o poder familiar ainda existisse. O recorrente, no entanto, defendia que a exclusão da responsabilidade paterna bastava que o filho não estivesse sob sua guarda e proteção, sem necessidade de questionar o poder familiar. O Tribunal de origem não havia esclarecido se, apesar de o menor não residir com o pai, havia também ausência de relações que evidenciasse o esfacelamento do poder familiar. O STJ, ao negar provimento ao agravo regimental, reafirmou que o fato de o menor não residir com o genitor não configura, por si só, causa excludente de responsabilidade civil, sendo essencial investigar se o poder familiar persiste. A análise dessa questão demandaria reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ.
Similarmente, o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.253.724/PR (Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze) tratou da responsabilidade civil do genitor que não detinha a guarda pelos atos de seu filho menor. Neste caso, Ricardo da Cruz Palma de Lima, menor de idade à época do fato (com 19 anos, considerado incapaz para fins civis segundo o CC/16 aplicável ao caso), agrediu o autor, causando-lhe danos. A ação foi movida contra os pais de Ricardo. O pai, Rogério Palma de Lima, alegou que nunca teve ou exerceu o pátrio poder, o que, em seu entender, justificaria sua irresponsabilidade. Contudo, as instâncias ordinárias constataram a participação efetiva do pai na criação e educação do filho. Testemunhas afirmaram que ele auxiliava no sustento do filho e o via nos finais de semana, havendo passeios frequentes porque era um pai presente. Diante dessa análise fático-probatória, o Tribunal estadual reconheceu a responsabilidade solidária do pai. O STJ, ao analisar o caso, citou precedente (REsp 1.436.401/MG) que interpreta o artigo 932, I, do Código Civil como se referindo ao poder familiar, compreendendo um plexo de deveres independentemente da vigilância investigativa e diária ou da proximidade física. Assim, a decisão agravada e o acórdão recorrido estavam em conformidade com o entendimento consolidado do STJ. A pretensão de reverter essa conclusão esbarrou na Súmula 7 do STJ, por demandar reexame de fatos e provas.
O Recurso Especial nº 1.074.937/MA (Relator Ministro Luis Felipe Salomão) abordou a responsabilidade civil dos pais e da avó de um menor que, dirigindo veículo automotor da avó, participou de um “racha” e causou a morte de um terceiro. Os recorrentes defendiam a ilegitimidade passiva da mãe e da avó. A mãe se encontrava separada do pai do menor e residia em Estado diverso. O Tribunal de origem, contudo, entendeu que o fato da mãe estar separada e residir em outro Estado não retirava sua obrigação de cuidar do filho, nem sua responsabilidade. O STJ, ao analisar o recurso, reafirmou que a mera separação dos pais não isenta o cônjuge com o qual os filhos não residem da responsabilidade, pois permanece o dever de criação e orientação, especialmente se o poder familiar é exercido conjuntamente. A tese de exclusão da responsabilidade da mãe com base na separação e suposto exercício unilateral do poder familiar pelo pai implicaria revolvimento fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ. Em relação à avó, com quem o menor residia na época dos fatos, a responsabilidade subsistiu em razão do dever de vigilância caracterizado pela delegação da guarda, ainda que temporária. O Tribunal de origem considerou que a avó, ao permitir que o neto morasse em sua residência, deveria ter cuidado para que ele não alcançasse a chave do carro. A insurgência quanto à responsabilidade da avó também esbarrou na Súmula 7/STJ. Este caso demonstra que a responsabilidade pode se estender a outros responsáveis diretos pela vigilância temporária do menor, em adição à responsabilidade parental baseada no poder familiar.
Outro precedente relevante, o Recurso Especial nº 299.048/SP (Relator Ministro Aldir Passarinho Junior), anterior ao Código Civil de 2002, mas com fundamentos ainda aplicáveis, tratou da responsabilidade dos pais por agressão praticada por filho menor (19 anos na época do fato, considerado menor púbere). A questão da ilegitimidade passiva dos pais em razão da separação foi levantada. O acórdão recorrido considerou que a culpa pelo ocorrido foi exclusivamente do filho, menor púbere na ocasião, e que seus pais respondiam solidariamente por seus atos, pouco importando que os genitores estivessem separados ou que a guarda fosse confiada a qualquer deles. O STJ, ao não conhecer do recurso especial, destacou que a mera separação do casal, passando os filhos a residir com a mãe, não constitui, salvo em hipóteses excepcionais, fator de isenção da responsabilidade paterna pela criação e orientação da prole. O Tribunal ressaltou que o poder familiar, mesmo separados os pais, permaneceu, e que isso era matéria de prova cujo reexame era vedado pela Súmula 7/STJ. O caso REsp 777.327/RS (Relator Ministro Massami Uyeda) também abordou situação semelhante, confirmando a tese de que a mera separação, passando os filhos a residir com a mãe, não isenta o pai da responsabilidade, salvo em hipóteses excepcionais.
A partir do Código Civil de 2002, houve uma importante inovação no que tange à responsabilidade do próprio incapaz. O artigo 928 passou a prever a possibilidade de o incapaz responder civilmente pelos seus atos, mas de forma subsidiária e mitigada. Isso significa que o patrimônio do menor só pode ser atingido para reparar o dano se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Mesmo nesses casos, a indenização a ser paga pelo incapaz será equitativa e não terá lugar se privar do necessário ao seu sustento. Essa mudança legislativa visou a ampliar as possibilidades de reparação para a vítima, que, no sistema anterior, poderia ficar sem indenização mesmo que o incapaz tivesse patrimônio, caso o responsável fosse insolvente. A nova abordagem prioriza o ressarcimento do lesado em detrimento da proteção absoluta do patrimônio do incapaz.
A relação entre a responsabilidade objetiva dos pais (art. 932, I, CC) e a responsabilidade subsidiária e mitigada do incapaz (art. 928, CC) gerou debates sobre a necessidade de o menor incapaz ser parte na ação indenizatória movida contra os pais. O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que, em razão da natureza subsidiária da responsabilidade do incapaz, não há litisconsórcio passivo necessário entre o pai e o filho menor na ação movida pela vítima unicamente contra o genitor com base na responsabilidade objetiva. A vítima pode optar por demandar apenas o responsável (pai ou mãe, ou ambos), e a ação pode ser julgada procedente contra eles sem a necessidade da presença do incapaz no polo passivo.
Um exemplo disso foi tratado no Recurso Especial nº 1.319.626/MG (Relatora Ministra Nancy Andrighi) e referenciado no REsp 1.436.401/MG. Neste caso, a ação de reparação de danos por agressão praticada por um menor foi proposta unicamente em face do genitor do menor. O menor, C. A. do N., tentou recorrer da sentença que condenou seu pai, alegando ter legitimidade recursal como terceiro prejudicado e que a responsabilidade seria solidária. Contudo, o Tribunal de origem não conheceu de sua apelação por falta de legitimidade e interesse recursal. O STJ, ao analisar o recurso especial do menor, confirmou a ausência de legitimidade e interesse recursal. A Corte explicou que, para ser considerado terceiro prejudicado com legitimidade para recorrer, é preciso que a decisão afete, direta ou indiretamente, uma relação jurídica de que seja titular. No caso da responsabilidade subsidiária do incapaz, a ação foi proposta apenas contra o pai. A norma do artigo 942, parágrafo único, do Código Civil, que prevê a solidariedade, deve ser interpretada em conjunto com os artigos 928 e 934. O artigo 928 é a regra especial para incapazes. A responsabilidade solidária com os autores do dano (art. 942, parágrafo único) se aplica às demais hipóteses do art. 932, mas a situação peculiar dos incapazes é regida pelo art. 928, que estabelece responsabilidade subsidiária e mitigada. Portanto, não há um nexo de interdependência entre o interesse do menor em intervir e a relação jurídica principal (vítima x pai) que justificasse sua legitimidade para recorrer. A responsabilidade principal e objetiva recai sobre os pais; a do menor é apenas subsidiária.
Embora não haja litisconsórcio necessário, o lesado pode optar por propor a ação contra o responsável e também contra o próprio incapaz, formando um litisconsórcio facultativo. Nesse caso, a demanda contra o menor seria eventual e subsidiária, condicionada à impossibilidade de reparação pelos responsáveis. A vítima, ao fazer isso, está ciente de que o patrimônio do menor só será atingido subsidiariamente e de forma mitigada. Por outro lado, essa opção pode evitar a necessidade de uma nova ação contra o incapaz caso a demanda contra os pais seja improcedente por insuficiência de meios ou ausência de obrigação de indenizar.
Em resumo, a responsabilidade civil dos pais pelos atos danosos de filhos menores é um dever legal objetivo, intrinsecamente ligado ao exercício do poder familiar. A separação dos pais e a residência do menor com apenas um deles não afastam automaticamente essa responsabilidade do outro genitor. Os tribunais superiores consolidaram o entendimento de que o que importa é a persistência do poder familiar e dos deveres de orientação e criação, e não a vigilância constante ou a proximidade física no momento do dano. Apenas a demonstração de um efetivo esfacelamento do poder familiar poderia, em tese, afastar essa responsabilidade, mas essa é uma questão fática sujeita à análise judicial no caso concreto. Adicionalmente, com o Código Civil de 2002, a responsabilidade do próprio incapaz se tornou subsidiária e mitigada, permitindo que seu patrimônio seja atingido em condições específicas e limitadas, mas sem torná-lo parte necessária na ação movida contra os pais.
Esses entendimentos, construídos e consolidados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, demonstram a constante adaptação do direito às dinâmicas sociais e familiares. A complexidade desses casos e a necessidade de uma análise detalhada das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada situação reforçam a importância de buscar orientação profissional qualificada. O Poder Judiciário, por meio de seus julgados, oferece caminhos e soluções para conflitos que, muitas vezes, parecem insolúveis para quem não domina o arcabouço legal e jurisprudencial. Compreender como os tribunais têm decidido casos semelhantes pode fornecer clareza e segurança jurídica para aqueles que enfrentam situações envolvendo a responsabilidade por atos de menores, especialmente em famílias onde os pais estão separados.
Referências Bibliográficas
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Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.884 – SC (2013/0286689-4), Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 23/02/2018. Documento: 1675908. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça .
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