Artigos | Postado no dia: 9 julho, 2025

Estacionar veículo em vaga reservada para idosos ou para pessoas com deficiência gera multa e o dever de pagar indenização por danos morais: entenda o dano moral difuso.

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Parar em vaga de idoso ou PCD é mais que uma infração: é desrespeito à dignidade humana e pode gerar condenação por dano moral difuso. O STJ já decidiu: esse tipo de conduta lesa toda a sociedade. Veja por quê!

Texto Explicativo

O respeito às normas de acessibilidade não se trata apenas de cortesia ou consciência social: trata-se de um dever legal, com respaldo constitucional, cujos efeitos ultrapassam o campo individual e atingem o coletivo. Em julgamento paradigmático, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que estacionar em vaga reservada para pessoas com deficiência configura violação a direito difuso e pode ensejar indenização por dano moral coletivo.

Foi o que decidiu a Segunda Turma do STJ no AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 2.062.069/SP, de relatoria do Ministro Herman Benjamin. No caso, um motorista estacionou seu veículo em vaga exclusiva para pessoas com deficiência no estacionamento de um supermercado. A conduta, ainda que aparentemente isolada e sem prejuízo direto a um indivíduo específico, foi reconhecida como violadora da dignidade da coletividade de pessoas com deficiência — um grupo constitucionalmente protegido — e, por isso, geradora de indenização de R$ 4.000,00 a título de dano moral difuso.

O relator destacou que o dano moral coletivo — aqui considerado na sua vertente difusa — não depende da demonstração de prejuízo concreto a uma vítima individual. Basta que se verifique a ofensa a um bem jurídico transindividual, como a dignidade de um grupo vulnerável ou a violação a normas que tutelam valores fundamentais da sociedade, como acessibilidade, inclusão, igualdade e respeito.

Esse entendimento do STJ representa importante reforço à função pedagógica e sancionatória da responsabilidade civil. Ao condenar o infrator ao pagamento de indenização, o Judiciário busca não apenas compensar simbolicamente o dano causado à coletividade, mas também desestimular comportamentos semelhantes e reafirmar valores civilizatórios basilares.

O caso também expõe a relevância de compreendermos o conceito jurídico de dano moral difuso, que difere tanto do dano moral individual quanto do dano coletivo stricto sensu. Trata-se de uma categoria de dano que atinge direitos de grupos indeterminados de pessoas, mas que compartilham uma identidade de vulnerabilidade ou interesse protegido por normas constitucionais ou legais. Ao contrário do dano individual, o difuso não permite a identificação precisa dos lesados; ao contrário do dano coletivo em sentido estrito, ele não pressupõe organização formal do grupo ou vínculo jurídico comum. Exatamente por isso, a legitimidade para sua defesa cabe ao Ministério Público ou associações civis.

Importante destacar que essa linha jurisprudencial vem sendo consolidada por outras decisões relevantes no STJ. No AREsp 2.097.260/SP, por exemplo, o Tribunal reafirmou a possibilidade de condenação por dano moral coletivo contra a Fundação CASA, em virtude de condutas abusivas e sistemáticas contra adolescentes internados em unidades de internação socioeducativa. A quantia arbitrada foi de R$ 500 mil, revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Já no AREsp 1.973.063/SP, o STJ manteve a condenação de uma instituição de ensino por práticas discriminatórias contra aluno com deficiência. Mais uma vez, a Corte reforçou que a acessibilidade e a dignidade da pessoa com deficiência não podem ser violadas sob pena de responsabilização objetiva por dano moral coletivo.

Esse raciocínio é replicado também em temas ambientais e consumeristas. No REsp 1.657.795/PB, o STJ analisou a omissão do Município de Bananeiras quanto à obrigação de implantar aterro sanitário e desativar lixão irregular. A ação, proposta pelo IBAMA, pedia, entre outros pedidos, a condenação por dano moral difuso. Embora, no caso, não tenha havido o reconhecimento do dano, a fundamentação do relator deixou clara a possibilidade jurídica da condenação quando há lesão a direitos difusos ambientais, desde que provada sua repercussão social e gravidade.

A fixação de valores para indenizações por danos morais coletivos deve observar critérios como a gravidade da ofensa, a repercussão social, a posição institucional do ofensor e a finalidade pedagógica da medida. Trata-se de uma indenização que não visa enriquecer ninguém, mas sim punir comportamentos socialmente lesivos e restaurar, simbolicamente, o equilíbrio violado.

A jurisprudência também tem reafirmado a compatibilidade entre sanções administrativas (como multas de trânsito) e a responsabilização civil por danos morais coletivos. A multa, isoladamente, não esgota a resposta estatal diante de violações à dignidade coletiva. Em contextos de grave desrespeito a normas protetivas, como a acessibilidade, as duas medidas podem e devem coexistir, inclusive como instrumentos de reforço mútuo.

Voltando ao caso julgado no AgInt no AREsp 2.062.069/SP, o STJ considerou que a conduta de estacionar em vaga exclusiva sem necessidade legítima configura não apenas descumprimento de norma administrativa do CTB (art. 181, inciso XX, do Código de Trânsito Brasileiro), mas uma afronta à coletividade de pessoas com deficiência. A sentença de primeiro grau fixou o valor da indenização em R$ 4 mil, com base nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da gravidade do comportamento reprovável. O valor foi mantido em segundo grau e ratificado pelo STJ.

O Tribunal também reiterou a possibilidade de reversão do valor ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, conforme prevê o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985. Trata-se de instrumento que garante a destinação social da indenização, reforçando seu caráter coletivo.

Em síntese, a decisão representa não apenas a condenação de um motorista isolado, mas uma afirmação de que a responsabilidade civil também serve para proteger valores coletivos. Acessibilidade, respeito à pessoa com deficiência e à população idosa são deveres de todos — e sua violação pode gerar consequências além das multas administrativas.

Assim, a sociedade e o Poder Judiciário caminham juntos na construção de uma cultura de inclusão, acessibilidade e respeito às diferenças. A decisão do STJ representa, portanto, um marco importante nesse processo.

 
Referências Bibliográficas

  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 2.062.069/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04 de abril de 2023. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/07/2025 às 09h00).
  • Superior Tribunal de Justiça. AREsp nº 2.097.260/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 07 de março de 2023. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/07/2025 às 09h20).
  • Superior Tribunal de Justiça. AREsp nº 1.973.063/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05 de maio de 2022. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/07/2025 às 09h30).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.657.795/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13 de setembro de 2017. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/07/2025 às 09h40).
  • Lei nº 7.347/1985 – Ação Civil Pública.
  • Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/1997, art. 181, XX.