Artigos | Postado no dia: 6 outubro, 2025

O que acontece com os bens da pessoa falecida quando não há herdeiros?

Quando não existem herdeiros até o 4º grau, a herança é declarada vacante e destinada ao Estado.

Texto Explicativo

A vocação hereditária no direito brasileiro segue a ordem prevista no artigo 1.829 do Código Civil de 2002, que estabelece a chamada sucessão legítima. Em primeiro lugar, são chamados os descendentes, depois os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente; na sequência, o próprio cônjuge, sozinho; e, em quarto lugar, os colaterais até o quarto grau.

Mas o que acontece quando o falecido não deixa descendentes, ascendentes, cônjuge ou colaterais até o quarto grau? Nesses casos, surge a figura da herança jacente, que, após determinado período e trâmites legais, será convertida em herança vacante, passando a ser destinada ao Estado.

Essa realidade, muitas vezes esquecida, revela o caráter residual e subsidiário da sucessão estatal, que só se concretiza quando não há qualquer familiar dentro dos limites legais da vocação hereditária.

 

Base legal da herança jacente e vacante

O artigo 1.844 do Código Civil dispõe:

“Na falta de descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro e colaterais até o quarto grau, deferir-se-á a herança ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.”

Portanto, a herança só é transferida ao Estado quando não existem herdeiros até o quarto grau. Antes disso, a herança é considerada jacente.

O Código de Processo Civil (arts. 738 a 743 do CPC/2015) regula o procedimento da arrecadação e da conversão em vacância.

 

Herança jacente

A herança jacente ocorre quando o falecido não deixa herdeiros conhecidos. Nesse momento, o juiz determina a arrecadação dos bens do falecido, que são administrados por um curador nomeado pelo juízo.

Essa fase tem por objetivo preservar o patrimônio e possibilitar que eventuais herdeiros se habilitem no processo sucessório.

A arrecadação é pública, com expedição de editais para que interessados se apresentem e provem sua condição de herdeiros.

 

Herança vacante

Se, após o prazo legal de cinco anos, nenhum herdeiro se habilitar, a herança é declarada vacante e transferida para o Estado (art. 1.822 CC e art. 743 CPC).

A destinação da herança depende da localização do bem:

  • Se situada em Município, passa ao Município;
  • Se em Distrito Federal, passa ao DF;
  • Se em território federal, passa à União.

Dessa forma, a herança vacante se torna patrimônio público, integrando o erário do ente federativo competente.

 

Finalidade da herança vacante

A destinação da herança ao Estado atende ao princípio da função social da propriedade. Evita-se que bens sem titular fiquem abandonados ou sem utilidade, incorporando-os ao patrimônio público, onde podem cumprir finalidade social e coletiva.

Esse mecanismo também preserva a segurança jurídica, garantindo que não haja bens circulando sem titularidade definida.

Exemplo 1 – herança jacente:
Pedro falece sem deixar filhos, pais, cônjuge ou irmãos conhecidos. O juiz nomeia um curador para administrar os bens, que permanecem em estado de jacência até que possíveis herdeiros se apresentem.

Exemplo 2 – herança vacante:
Maria falece sem herdeiros conhecidos. Após cinco anos da abertura da sucessão, nenhum herdeiro se habilita. O juiz declara a herança vacante, transferindo os bens ao Município onde estavam situados.

Exemplo 3 – União como herdeira:
João falece em território federal (exemplo: área pertencente a Territórios Federais, se existirem). Não havendo herdeiros, a herança será transferida à União.

 

A posição do Estado como herdeiro necessário?

O Estado não é herdeiro necessário, tampouco ocupa posição de herdeiro dentro da vocação hereditária tradicional. Sua sucessão é extraordinária e residual, ocorrendo apenas quando não existem familiares até o quarto grau.

Isso reforça que a sucessão estatal tem caráter subsidiário, funcionando como última alternativa.

 

A herança vacante e o direito de terceiros

Durante a fase de jacência e mesmo após a vacância, credores do falecido podem se habilitar no processo para receber seus créditos. A vacância não extingue as dívidas do falecido, que devem ser pagas antes da transferência definitiva ao Estado.

Além disso, se aparecer um herdeiro legítimo antes da declaração de vacância, ele pode ingressar com ação para habilitar-se na sucessão.

Autores como Carlos Roberto Gonçalves e Sílvio de Salvo Venosa ressaltam que a herança vacante cumpre papel social relevante, mas deve ser interpretada de maneira restrita. O chamamento do Estado só ocorre quando realmente não há nenhum herdeiro.

Para Gonçalves, a herança vacante é a “última trincheira” da vocação hereditária, atuando como medida de ordem pública.


Conclusão

A sucessão do Estado ocorre em caráter excepcional, apenas quando não há herdeiros até o quarto grau.

A distinção entre herança jacente (fase de administração e busca por herdeiros) e herança vacante (transferência definitiva ao Estado) garante segurança jurídica, preservação do patrimônio e função social dos bens.

Assim, quando ninguém herda, é o Estado que assume a titularidade, assegurando que os bens não fiquem sem destino.


Referências Bibliográficas