Artigos | Postado no dia: 5 maio, 2025

O início do prazo prescricional contra os menores diante de danos sofridos por eles

CONTEÚDO: Você sabia que o prazo para processar quem causou dano a um menor não começa quando ele completa 18 anos?

A prescrição não começa com a maioridade, mas sim com o fim da incapacidade absoluta — ou seja, aos 16 anos!

Seja um caso de erro médico no parto, um acidente escolar ou um atropelamento, os direitos do menor estão protegidos — e o prazo para buscar indenização só começa a correr depois dos 16 anos de idade.

E com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, até mesmo a contagem da prescrição em casos de enfermidade mental mudou. Entenda como proteger o direito dos menores.

TEXTO EXPLICATIVO:

No universo da responsabilidade civil, uma das questões que mais confundem pais, advogados e até mesmo operadores do direito diz respeito à contagem do prazo prescricional para ajuizamento de ações reparatórias quando a vítima é uma pessoa menor de idade. Essa discussão se torna ainda mais relevante quando o dano ocorre em momentos em que a vítima sequer tem capacidade para expressar sua vontade ou compreender a extensão dos prejuízos que lhe foram causados.

Imagine, por exemplo, um bebê que sofre uma lesão grave durante o parto por um erro médico, como uma queda acidental logo após o nascimento. Ou ainda, pense em uma criança que se machuca dentro da escola por falta de supervisão de professores ou profissionais da instituição. Ou um adolescente de 12 anos atropelado ao atravessar na faixa de pedestres, por um motorista em excesso de velocidade. Em todas essas hipóteses, há um dano, há uma vítima e há uma expectativa de responsabilização do causador do prejuízo.

A pergunta é: a partir de quando começa a correr o prazo para ajuizar a ação indenizatória?

A maioria tende a responder que o prazo é de três anos, com base no art. 206, §3º, V, do Código Civil, se não houver relação de consumo. Se houver, o prazo seria de cinco anos, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. E o mais comum ainda é imaginar que a contagem se inicie com a maioridade civil, ou seja, aos 18 anos.

Essa é uma interpretação equivocada.

Nos termos do art. 198, I, do Código Civil de 2002, não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. E conforme a redação atual do art. 3º do mesmo diploma, são absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos.

Isso significa que o prazo prescricional para ajuizar a ação de reparação começa, em regra, aos 16 anos, e não aos 18.

Esse entendimento tem respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. No AgInt no AREsp 690.659/SP, o STJ deixou claro que “enquanto perdurar a causa de incapacidade absoluta, inexiste prescrição a ser contada para efeito de pretensão”. Somente com a cessação da incapacidade absoluta é que se inicia o curso do prazo【STJ – AREsp 690.659/SP】.

A situação se tornou ainda mais relevante com o advento da Lei 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Esta lei entrou em vigor em 02 de janeiro de 2016, e promoveu significativas alterações na Parte Geral do Código Civil, especialmente no que se refere à capacidade civil das pessoas com deficiência.

Até então, o art. 3º, II, do Código Civil classificava como absolutamente incapazes as pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem discernimento para os atos da vida civil. Com a entrada em vigor do EPD, esse dispositivo foi revogado, e os indivíduos com deficiência mental ou intelectual passaram a ser considerados relativamente incapazes (art. 4º, III, do Código Civil), salvo em situações excepcionais em que não possam exprimir sua vontade, conforme decisão judicial específica.

Dessa forma, a partir de 02 de janeiro de 2016, a regra passou a ser a presunção de capacidade das pessoas com deficiência, cabendo apenas a aplicação da incapacidade relativa quando houver real demonstração da impossibilidade de expressão de vontade. Isso teve impacto direto na fluência do prazo prescricional: deixou-se de aplicar a causa impeditiva da prescrição (art. 198, I) para essas pessoas, exceto se forem menores de 16 anos.

Assim, uma criança que sofreu um dano durante o parto e que desenvolveu sequelas permanentes com comprometimento mental, por exemplo, hoje é considerada relativamente incapaz, e a prescrição passa a correr normalmente a partir dos 16 anos, salvo se houver decisão judicial que reconheça incapacidade absoluta superveniente, em situação excepcionalíssima.

O STJ reafirmou essa interpretação no AREsp 2057555/RS, concluindo que, com a revogação do inciso II do art. 3º do Código Civil, aqueles que antes eram considerados absolutamente incapazes por enfermidade mental passaram a ser relativamente incapazes, sujeitos ao curso regular da prescrição【STJ – AREsp 2057555/RS】.

O mesmo raciocínio se aplica a casos em que menores sofrem danos em escolas ou em ambientes de convívio coletivo. Se, por exemplo, uma criança sofre violência física ou psicológica por omissão da escola em seu dever de vigilância e segurança, é possível ajuizar a ação reparatória até três anos após o menor completar 16 anos (em regra), salvo se aplicável outro prazo especial. O mesmo se aplica a menores vítimas de acidentes de trânsito, que por sua condição de absoluta incapacidade estão protegidos contra o curso da prescrição até a idade de 16 anos.

Os tribunais têm sido firmes ao reconhecer que é vedado o curso do prazo prescricional enquanto não cessar a incapacidade absoluta. Não há que se falar em prescrição mesmo que os pais ou representantes legais estejam judicialmente discutindo a questão. A causa impeditiva tem natureza objetiva e independe da atuação dos responsáveis legais.

Esse entendimento está em consonância com a proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes, prevista no art. 227 da Constituição Federal, e com os princípios da dignidade da pessoa humana e da reparabilidade plena.

Portanto, é imprescindível que os familiares ou representantes legais estejam atentos à data em que o menor completa 16 anos. A partir desse marco, o prazo prescricional para buscar a responsabilização civil pelo dano sofrido começa a contar, seja qual for a natureza do dano (médico, educacional, rodoviário, etc.).

Referências Bibliográficas:

Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 690.659/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 11/10/2019. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 04/05/2025 às 10h57).

Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1987853/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 20/06/2022. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 04/05/2025 às 10h57).

Superior Tribunal de Justiça. AREsp nº 2057555/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 17/10/2023. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 04/05/2025 às 10h57).

Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp nº 1.970.551/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 13/06/2022. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 04/05/2025 às 10h57).

SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade. Conjur, 06 ago. 2015. Extraído de: https://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade/ (Consultado no dia 04/05/2025 às 10h57).

GARCIA, Fernanda. Capacidade civil e deficiência após a Lei Brasileira de Inclusão. Revista Virtuajus, PUC Minas, 2020. Extraído de: https://periodicos.pucminas.br/virtuajus/article/view/21070/21070-75973-1-PB (Consultado no dia 04/05/2025 às 10h57).