Artigos | Postado no dia: 1 setembro, 2025

O Prazo para a Propositura da Petição de Herança: entre a Súmula 149 do STF e o Tema 1200 do STJ

A ação de petição de herança (ou petitio hereditatis) é o instrumento legal pelo qual o herdeiro pode demandar o reconhecimento de seu direito sucessório para obter a restituição da herança, ou parte dela, de quem a possua, seja na qualidade de herdeiro ou mesmo sem título. Ela constitui a proteção específica da qualidade de sucessor e é considerada uma ação real e universal, pois busca a devolução de uma universalidade de bens (o patrimônio hereditário por inteiro ou em quota ideal) e não apenas coisas singulares.

Historicamente, essa ação possui duas finalidades precípuas: o reconhecimento da qualidade de herdeiro demandante e o pedido de restituição da herança. Embora o reconhecimento da qualidade de herdeiro seja declaratório e imprescritível, o aspecto de restituição de bens tem natureza condenatória e, portanto, é prescritível.

É comum que a petição de herança seja cumulada com a ação de investigação de paternidade, especialmente em casos de reconhecimento post mortem.

  1. A Súmula 149 do STF e a prescritibilidade da pretensão hereditária

Durante décadas, prevaleceu intensa controvérsia doutrinária: seria a petição de herança imprescritível, por estar relacionada ao direito fundamental de propriedade e ao estado de filiação, ou estaria sujeita à prescrição como qualquer pretensão de cunho patrimonial?

O Supremo Tribunal Federal, quando ainda detinha competência para examinar matérias infraconstitucionais, pôs fim a essa dúvida editando a Súmula 149:

“É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.”

Com isso, consolidou-se a compreensão de que, ao contrário da investigação de paternidade (ação de natureza meramente declaratória), a petição de herança é de índole condenatória e patrimonial, submetendo-se, portanto, a prazos prescricionais.

Não há, no Código Civil de 1916 (CC/1916) ou no Código Civil de 2002 (CC/2002), um prazo prescricional específico para o ajuizamento da ação de petição de herança. Assim, a ação está sujeita ao prazo geral de prescrição previsto em cada codificação:

  • Vinte anos, conforme o art. 177 do CC/1916.
  • Dez anos, conforme o art. 205 do CC/2002. Este prazo de dez anos é considerado o máximo permitido para direitos de propriedade.
  1. O debate doutrinário

A doutrina permaneceu dividida. Autores como Orlando Gomes e Giselda Hironaka defenderam a imprescritibilidade, ressaltando que o título de herdeiro não se perde pelo decurso do tempo e que a ação se assemelharia à reivindicatória, esta imprescritível.

Outros, como Caio Mário da Silva Pereira, Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo e Cristiano Chaves de Farias, sustentaram que, embora o status de herdeiro seja imprescritível, a pretensão de exigir judicialmente a restituição da herança é prescritível, pois possui natureza condenatória.

Carlos Roberto Gonçalves observa que a imprescritibilidade cogitada no anteprojeto de 1972 foi rejeitada no Código Civil de 2002. Assim, diante da ausência de prazo específico, aplica-se o prazo geral de prescrição: vinte anos no CC/1916 e dez anos no CC/2002. Pablo Stolze adota a mesma linha, enfatizando que a prescrição garante estabilidade às relações sucessórias.

  1. O STJ e a evolução jurisprudencial: da actio nata subjetiva ao Tema 1200

O Superior Tribunal de Justiça foi chamado a definir não apenas se a petição de herança era prescritível (ponto já pacificado pela Súmula 149 do STF), mas qual o termo inicial desse prazo.

Durante anos, a Terceira Turma firmou entendimento de que o prazo começava apenas após o trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando se confirmava a qualidade de herdeiro. Essa posição aplicava a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva: o prazo só correria quando a pretensão pudesse efetivamente ser exercida.

Exemplo marcante é o REsp 1.368.677/MG, relatado pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no qual se entendeu que o herdeiro só poderia exigir sua parte da herança após a declaração judicial da paternidade, pois até então não detinha legitimidade para tanto.

Contudo, a Quarta Turma do STJ sempre resistiu, aplicando a actio nata em sua dimensão objetiva: o prazo teria início com a abertura da sucessão, independentemente do momento do reconhecimento da filiação. Essa divergência entre Turmas levou o tema à Segunda Seção.

  1. O julgamento do Tema 1200 (STJ, 2022–2024)

No julgamento dos EAREsp 1.260.418/MG e dos Recursos Especiais Repetitivos 2.029.809/MG e 2.034.650/SP, a Segunda Seção pacificou a matéria, fixando a tese do Tema 1200:

“O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, cuja fluência não é impedida, suspensa ou interrompida pelo ajuizamento de ação de reconhecimento de filiação, independentemente do seu trânsito em julgado.”

O relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou que o art. 1.784 do Código Civil (princípio da saisine) determina a imediata transmissão da herança aos herdeiros, e o art. 1.798 estabelece que apenas os já nascidos ou concebidos à época da abertura da sucessão são legitimados a suceder. Assim, o suposto filho já poderia, desde a abertura da sucessão, propor simultaneamente a ação de investigação de paternidade e a petição de herança.

A decisão afastou a possibilidade de imprescritibilidade indireta da petição de herança — que ocorreria se se admitisse que o prazo só começasse a fluir após o trânsito da investigatória — e privilegiou a segurança jurídica.

A consolidação desse entendimento baseia-se em sólidos fundamentos:

  • Princípio da Saisine: O art. 1.784 do Código Civil estabelece que, “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Isso significa que o herdeiro, mesmo que sua condição não seja oficialmente reconhecida, pode imediatamente postular seus direitos hereditários.
  • Natureza Ex Tunc do Reconhecimento de Paternidade: A sentença que reconhece a paternidade possui efeitos retroativos (ex tunc), confirmando que a filiação existia desde o nascimento.
  • Possibilidade de Cumulação de Ações: O interessado pode optar por propor a ação de investigação de paternidade cumulada com a petição de herança, ou movê-las em processos distintos, suspendendo a petição de herança até o julgamento da investigatória, ou ainda propor a petição de herança discutindo a paternidade em suas causas de pedir.
  • Segurança Jurídica e Estabilidade das Relações: Subordinar o início do prazo ao conhecimento da lesão ou ao trânsito em julgado de uma ação de estado (imprescritível) comprometeria a segurança jurídica, tornando a petição de herança virtualmente imprescritível. Isso poderia gerar prejuízos a terceiros de boa-fé e enormes dificuldades na relação de partilhas de bens após décadas.

Para os herdeiros absolutamente incapazes, o prazo prescricional da petição de herança não corre enquanto perdurar a incapacidade. O termo inicial para esses herdeiros é a data em que completam 16 (dezesseis) anos.

  1. Considerações finais

A definição do prazo da petição de herança reflete a tensão entre dois valores jurídicos: de um lado, a proteção da dignidade e da igualdade sucessória dos filhos, assegurando-lhes o direito de ver reconhecida sua filiação e de partilhar os bens; de outro, a segurança jurídica das relações patrimoniais, evitando que partilhas sejam indefinidamente reabertas.

O STF, com a Súmula 149, e o STJ, com o Tema 1200, consolidaram que a petição de herança é prescritível e que seu prazo se inicia na abertura da sucessão. A doutrina segue debatendo, mas hoje o quadro é claro: aplica-se o prazo prescricional geral (20 anos no CC/1916 e 10 anos no CC/2002), contado da morte do autor da herança.

Referências Bibliográficas

  • Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 149.
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.368.677/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 05/12/2017. Extraído de: STJ (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • Superior Tribunal de Justiça. EAREsp nº 1.260.418/MG, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, j. 26/10/2022, DJe 24/11/2022. Extraído de: STJ (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.029.809/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22/05/2024. Extraído de: STJ (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.034.650/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22/05/2024. Extraído de: STJ (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt nos EDcl no REsp nº 1.856.097/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22/03/2021. Extraído de: STJ (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.430.937/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 10/12/2019. Extraído de: STJ (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2022. Extraído de: arquivo fornecido pelo autor (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).
  • STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Sucessões. Salvador: JusPodivm, 2021. Extraído de: arquivo fornecido pelo autor (Consultado no dia 31/08/2025 às 06h55).