Artigos | Postado no dia: 14 abril, 2025

Quando começa a contar a prescrição?

O STJ tem uma resposta – e ela passa pela famosa actio nata.

CONTEÚDO.

É a regra segundo a qual o prazo da prescrição começa quando nasce a pretensão.

Mas o que isso significa na prática?

Será que a contagem começa quando o dano acontece? Ou quando a vítima descobre que foi lesada?

O Superior Tribunal de Justiça vem dando respostas cada vez mais claras — e se você já teve um direito violado (ou teme que tenha sido), pode encontrar neste texto a resposta para agir a tempo e com segurança.

TEXTO EXPLICATIVO

A prescrição é uma das mais importantes instituições do direito brasileiro. Ela impõe um limite de tempo para o exercício de determinados direitos, promovendo segurança jurídica, estabilidade das relações sociais e proteção contra pretensões indefinidamente adiadas. Contudo, saber exatamente quando esse prazo começa a correr pode ser determinante para a preservação (ou perda) de um direito.

De acordo com o artigo 189 do Código Civil, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Esse dispositivo consagra a chamada teoria da actio nata: a ideia de que a contagem do prazo prescricional se inicia com o nascimento da pretensão, ou seja, quando o direito do titular é efetivamente violado.

Mas o que significa “violação do direito”? Essa expressão pode ser interpretada de maneiras distintas, o que levou a doutrina e, sobretudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a desenvolver duas linhas principais: a vertente objetiva e a vertente subjetiva da actio nata.

Na vertente objetiva, o prazo começa a correr a partir da ocorrência do fato danoso — independentemente do conhecimento da vítima. Já a vertente subjetiva desloca o início da contagem para o momento em que o titular do direito toma ciência do dano e de sua extensão.

Ambas as interpretações foram reconhecidas e aplicadas em diversos precedentes do STJ, os quais passamos a analisar a seguir, destacando como o Judiciário tem se posicionado nos mais variados contextos, sempre com base na responsabilidade civil.

A actio nata objetiva: quando a segurança jurídica exige rigidez

Em determinados casos, o STJ tem aplicado a actio nata em sua forma objetiva, com o objetivo de proteger a estabilidade das relações jurídicas, especialmente quando há interesse público relevante ou quando a própria legislação assim determina.

Um exemplo emblemático dessa linha foi o julgamento do REsp 2.029.809/MG (Tema 1200), em que se discutia a prescrição da ação de petição de herança cumulada com investigação de paternidade post mortem. O Tribunal fixou o entendimento de que o prazo prescricional se inicia com a abertura da sucessão, ainda que o suposto herdeiro sequer tivesse ciência da filiação. A Segunda Seção destacou que a pretensão de petição de herança tem natureza patrimonial e está sujeita a prazo prescricional, não podendo se beneficiar da imprescritibilidade da ação de reconhecimento de filiação.

Da mesma forma, no julgamento do REsp 2460180/MT, o STJ reafirmou a aplicação do termo objetivo da prescrição para ações de petição de herança, especialmente quando não demonstrada a ausência de ciência do autor sobre a morte e sobre sua condição de herdeiro.

A actio nata subjetiva: quando o direito só nasce com o conhecimento do dano

Em muitos outros casos, o STJ reconheceu que a vítima só poderia agir após tomar ciência efetiva da lesão, especialmente em situações de danos ocultos, complexos ou fraudados — onde exigir um ajuizamento imediato seria irrazoável.

No REsp 1.809.043/DF (Tema 1023), envolvendo servidor público exposto ao pesticida DDT sem equipamentos de proteção, o STJ decidiu que o prazo prescricional para ação de indenização por danos morais só se inicia no momento em que o autor teve ciência dos malefícios causados pelo produto químico, afastando o entendimento de que a contagem se daria com a simples exposição ou com a edição da Lei nº 11.936/09, que proibiu o uso do DDT.

Esse mesmo raciocínio foi aplicado no julgamento do REsp 1.895.936/TO, em que um servidor buscava reparação por desfalques em conta do PASEP. O Tribunal reconheceu que o prazo prescricional só começa a correr quando o servidor descobre os desfalques na conta, aplicando a prescrição decenal do artigo 205 do Código Civil, e não a quinquenal do Decreto 20.910/32.

Outro exemplo impactante foi o REsp 2.079.626/SP, em que acionistas minoritários buscaram reparação por atos de corrupção praticados por controladores da companhia. O STJ entendeu que o prazo só poderia começar com a ciência inequívoca dos atos lesivos, que no caso só foi possível a partir da celebração do acordo de leniência com autoridades americanas, o que evidencia o uso da actio nata em sua vertente subjetiva.

Essa orientação também se repetiu no REsp 1.622.450/SP, no qual um cliente ajuizou ação de responsabilidade civil contra advogado que perdeu o prazo para interposição de agravo. O STJ definiu como termo inicial o momento em que o cliente tomou ciência da perda da chance, e não a data em que o prazo recursal transcorreu.

A importância prática para quem busca reparação

Essas decisões revelam que não há resposta única para a pergunta: “quando começa a contar a prescrição?”. A resposta dependerá do contexto do caso, do tipo de lesão e, especialmente, do momento em que a vítima teve — ou poderia ter tido — conhecimento do dano.

Para quem sofreu um dano e cogita buscar reparação judicial, a análise do prazo prescricional é determinante. Muitas vezes, a ação ainda é viável, mesmo anos após o fato, caso se demonstre que o conhecimento da lesão ocorreu posteriormente.

É por isso que um diagnóstico jurídico preciso e individualizado é essencial para qualquer pessoa ou empresa que se sinta lesada. Nem todo caso é igual, e o Judiciário tem demonstrado abertura para reconhecer essas nuances.

Conclusão

A prescrição não é uma armadilha para barrar o direito da vítima, mas sim uma regra que equilibra interesses e busca segurança jurídica. Contudo, o prazo prescricional deve respeitar a lógica da razoabilidade e do acesso à justiça.

Por isso, em matéria de responsabilidade civil, buscar orientação jurídica especializada desde os primeiros indícios do dano é o melhor caminho para evitar a perda de direitos — ou para defender-se de forma eficaz quando for acusado.

 

 

Referências Bibliográficas

  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.029.809/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22 de maio de 2024. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/04/2025 às 15h50).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.809.043/DF, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 10 de fevereiro de 2021. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/04/2025 às 15h54).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.895.936/TO, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 21 de setembro de 2023. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/04/2025 às 15h56).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.079.626/SP, Relator Ministro Humberto Martins, julgado em 18 de dezembro de 2024. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/04/2025 às 15h57).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.622.450/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16 de março de 2021. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/04/2025 às 15h59).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.460.180/MT, Relator Ministro Paulo Sérgio Domingues. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 06/04/2025 às 15h52).