Artigos | Postado no dia: 4 agosto, 2025

Quando o herdeiro deve pagar aluguel aos demais co-herdeiros?

A questão envolvendo o pagamento de aluguel por parte de um herdeiro que utiliza, de forma exclusiva, imóvel pertencente ao espólio é uma das mais recorrentes no direito sucessório e civil. Em regra, com o falecimento de uma pessoa, abre-se a sucessão (art. 1.784 do Código Civil), momento em que a herança se transmite, como um todo unitário, aos herdeiros legítimos e testamentários. Até a partilha, os bens da herança são considerados comuns a todos os herdeiros, e regem-se pelas normas do condomínio (art. 1.791 do Código Civil).

Nesse regime de condomínio hereditário, todos os herdeiros possuem, em tese, os mesmos direitos sobre o uso e gozo dos bens, inclusive dos imóveis. No entanto, quando um dos coerdeiros passa a usar, com exclusividade, determinado bem imóvel, sem o consentimento dos demais e sem qualquer contraprestação financeira, a situação jurídica se altera substancialmente.

O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado, ao longo dos anos, entendimento no sentido de que a ocupação exclusiva de imóvel do espólio por apenas um dos herdeiros, quando demonstrada a oposição dos demais, gera o dever de indenizar proporcionalmente os demais co-herdeiros. Esse dever pode assumir a forma de pagamento de aluguel ou abatimento no quinhão final, como medida de evitar o enriquecimento sem causa.

O julgado paradigmático que consolidou essa orientação foi o REsp nº 570.723/RJ, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Na ocasião, restou assentado que “aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva”【Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 570.723/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/08/2007. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 13h52)】.

Esse entendimento foi reforçado em decisão mais recente, no REsp nº 1.704.528/SP, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze. No caso, a inventariante (viúva do de cujus) passou a residir, de forma exclusiva, no imóvel do espólio, sem oferecer qualquer contraprestação financeira aos demais herdeiros. O STJ entendeu que a manutenção desse uso exclusivo, somada à ausência de pagamento de aluguel ou indenização, representava enriquecimento sem causa. Assim, determinou que as despesas com IPTU e condomínio arcadas por ela fossem abatidas de seu quinhão hereditário【Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.704.528/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/08/2018. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 13h54)】.

O ponto central nesses julgados é a demonstração de que houve “oposição” por parte dos demais herdeiros à ocupação exclusiva. Isso porque, em situações de tolerância ou consenso tácito, não há que se falar, em regra, em dever de indenizar. A oposição pode ser feita de forma judicial (como em ação de inventário, pedido de prestação de contas ou ação autônoma) ou extrajudicial (notificação formal ou comunicação clara e documentada). O marco inicial para a incidência do dever de indenizar é justamente essa oposição, e não o simples uso exclusivo do imóvel.

Tal posição foi reiterada no AgInt no AREsp 889.672/SP, em que a Ministra Maria Isabel Gallotti destacou que “não basta o uso exclusivo do bem do espólio por um herdeiro para autorizar o arbitramento de aluguel, sendo indispensável que haja oposição expressa dos demais coerdeiros”【Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 889.672/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/03/2017. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 13h58)】.

Contudo, o STJ também já firmou a possibilidade de se exigir a indenização independentemente da oposição formal, quando a ocupação exclusiva impede, de fato, que os demais coerdeiros exerçam seus direitos possessórios. Foi o que se discutiu no julgamento do AgInt no AREsp 1.849.903/SP, em que se considerou suficiente o uso prolongado, exclusivo e sem qualquer prestação de contas, para caracterizar o dever de indenizar, em razão do enriquecimento sem causa e do desequilíbrio entre os condôminos hereditários【Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.849.903/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/02/2022. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 14h01)】.

É importante observar que o aluguel devido entre co-herdeiros não deve ser confundido com os aluguéis civis tradicionais, regidos por contrato de locação. Trata-se de uma forma de indenização por fruição exclusiva de bem comum, muitas vezes arbitrada judicialmente com base em laudos periciais, valores de mercado e critérios equitativos.

No julgamento do REsp nº 2054388/SP, a Terceira Turma do STJ reafirmou esse entendimento, reconhecendo que o pagamento de aluguéis por ocupação exclusiva pode ser exigido judicialmente mesmo na pendência do inventário, desde que haja desequilíbrio no exercício do direito de copropriedade【Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.054.388/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/12/2023. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 14h07)】.

Adicionalmente, o STJ já decidiu que esse tipo de obrigação pode ser compensada no momento da partilha, mediante abatimento no quinhão do herdeiro que usufruiu do bem, como forma de restaurar o equilíbrio patrimonial entre os coerdeiros.

É o que se vê, por exemplo, no julgamento do AgInt no AREsp nº 1.576.301/MG, que tratava da cobrança de valores relativos ao uso exclusivo de imóvel por um dos herdeiros e sua compensação na partilha final dos bens【Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.576.301/MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 15/06/2020. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 14h09)】.

Dentre os diversos casos analisados, é relevante destacar a importância de demonstrar a ausência de acordo entre os herdeiros e a exclusividade do uso do bem. O simples fato de um herdeiro residir no imóvel do espólio, por si só, não implica necessariamente no dever de indenizar. É preciso provar que esse uso se dá em prejuízo dos demais ou que existe uma negativa de compartilhamento, sem justa causa.

A jurisprudência também tem se firmado no sentido de que não é necessário que os demais herdeiros tenham efetiva intenção de utilizar o imóvel. Basta que seu direito esteja sendo violado pela ocupação exclusiva, sem contraprestação. Afinal, como condôminos, todos possuem igual direito à posse e ao usufruto do bem indivisível, conforme o artigo 1.314 do Código Civil.

Nesse contexto, o artigo 884 do Código Civil, que trata do enriquecimento sem causa, tem sido largamente aplicado pelo STJ para justificar o dever de pagar aluguéis ou indenizações. Não se admite que um herdeiro auferindo vantagem econômica (a moradia, por exemplo) o faça à custa dos demais, sem que estes sejam compensados por essa limitação.

Essa interpretação não apenas preserva a isonomia entre os coerdeiros, como também estimula a resolução célere dos inventários e o respeito às regras de administração da herança. Deixar de exigir o pagamento de valores devidos nessas situações estimularia condutas abusivas e desrespeitosas à copropriedade.

Em conclusão, o dever de pagar aluguel aos demais coerdeiros surge quando um dos herdeiros utiliza, com exclusividade, bem imóvel pertencente à herança, especialmente quando essa utilização impede o exercício da posse pelos demais e não há qualquer forma de compensação. A oposição dos outros herdeiros fortalece esse dever, mas a ausência dela não impede, em casos claros de exclusividade e ausência de prestação de contas, o reconhecimento judicial do enriquecimento indevido.

Para quem se encontra nessa situação, é fundamental buscar a orientação de um advogado especializado, a fim de garantir que seu direito hereditário não seja violado e que, se for o caso, seja devidamente compensado pela restrição imposta à sua cota-parte.

 

Referências Bibliográficas

  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 570.723/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20 de agosto de 2007. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 13h52).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.704.528/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14 de agosto de 2018. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 13h54).
  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 889.672/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10 de março de 2017. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 13h58).
  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.849.903/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25 de fevereiro de 2022. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 14h01).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.054.388/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14 de dezembro de 2023. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 14h07).
  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.576.301/MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 15 de junho de 2020. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 03/08/2025 às 14h09).