Artigos | Postado no dia: 1 outubro, 2025

Quando o(a) esposo(a) herda tudo

Sem filhos e sem pais, é o(a) esposo(a) quem recebe toda a herança, independentemente do regime de bens.

Texto Explicativo

A ordem da vocação hereditária, estabelecida pelo artigo 1.829 do Código Civil, determina os grupos prioritários chamados a suceder o falecido. Em primeiro lugar, estão os descendentes (filhos, netos e bisnetos), depois os ascendentes (pais, avós e bisavós), sempre em concorrência com o cônjuge.

Contudo, se não existirem descendentes nem ascendentes, a lei chama o cônjuge sobrevivente como herdeiro único, assegurando-lhe não apenas a totalidade da herança, mas também a proteção jurídica de direitos especiais, como o direito real de habitação.


A base legal da sucessão exclusiva do cônjuge

O artigo 1.829, inciso III, do Código Civil estabelece:

“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
III – ao cônjuge sobrevivente.”

A redação é clara: na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge recebe a totalidade da herança. O regime de bens aqui é irrelevante.

O artigo 1.845 reforça que o cônjuge é herdeiro necessário, ou seja, não pode ser privado da legítima por disposição de última vontade.


A posição do cônjuge como herdeiro necessário

O legislador reconhece que o cônjuge, por laços de afeto e de convivência, merece a mesma proteção destinada a descendentes e ascendentes. Daí a sua inclusão como herdeiro necessário, ao lado dos filhos e pais.

Isso significa que, mesmo havendo testamento, metade do patrimônio (a legítima) deverá ser destinada ao cônjuge, quando este for o único herdeiro necessário existente.

 

O direito real de habitação

Além da totalidade da herança, o cônjuge sobrevivente também tem assegurado o direito real de habitação previsto no artigo 1.831 do Código Civil.

Esse direito garante ao cônjuge o uso vitalício do imóvel destinado à residência da família, independentemente da partilha.

Exemplo prático:
Marcos falece sem filhos e sem pais, deixando apenas sua esposa, Helena, e um imóvel residencial. Helena herdará todos os bens, mas terá ainda, de forma destacada, o direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal.

Esse direito é inalienável e vitalício, reforçando a proteção ao sobrevivente.

 

A união estável e a equiparação sucessória

Um dos pontos mais relevantes da evolução jurisprudencial foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE 878.694/MG (Tema 498), que reconheceu a equiparação sucessória entre cônjuge e companheiro.

Isso significa que o companheiro sobrevivente em união estável herda em igualdade de condições com o cônjuge, inclusive sendo chamado como herdeiro único na falta de descendentes e ascendentes.

Assim, a expressão “cônjuge sobrevivente” no art. 1.829, III, CC, deve ser interpretada em conformidade constitucional, abrangendo também o companheiro.


Jurisprudência dos Tribunais Superiores

A jurisprudência do STJ e STF consolidou essa posição de proteção ao cônjuge/companheiro:

  • STF, RE 878.694/MG (Tema 498): fixou a equiparação sucessória entre cônjuge e companheiro.
  • STJ, REsp 1.382.170/SP: embora trate da concorrência em separação convencional, reafirma a condição de herdeiro necessário do cônjuge.
  • STJ, AgInt no AREsp 1.323.739/DF: reafirmou o direito real de habitação como garantia de moradia ao cônjuge sobrevivente.


Exemplos práticos

Exemplo 1:
Carlos falece sem filhos e sem pais, deixando apenas sua esposa Fernanda.

  • Fernanda herdará a totalidade da herança, independentemente do regime de bens.

Exemplo 2:
Joana falece sem descendentes nem ascendentes, vivendo em união estável com André.

  • André herdará integralmente, em razão da equiparação sucessória reconhecida pelo STF.

Exemplo 3:
Pedro falece sem filhos nem pais, deixando a esposa Clara e dois imóveis, sendo um a residência da família.

  • Clara herdará todos os bens e terá ainda o direito real de habitação vitalício sobre o imóvel residencial.

 

O regime de bens é irrelevante

Na sucessão exclusiva do cônjuge, o regime de bens não influencia. Isso porque não há concorrência com descendentes ou ascendentes. O cônjuge recebe integralmente a herança, independentemente de estar casado sob comunhão universal, parcial, separação convencional ou obrigatória.

 

Planejamento sucessório e cônjuge herdeiro único

Para quem não possui filhos ou pais vivos, o cônjuge sobrevivente será o herdeiro universal, salvo disposição testamentária quanto à parte disponível.

Nesse cenário, o testamento pode ser utilizado para beneficiar terceiros, desde que respeitada a legítima. Porém, se o cônjuge for o único herdeiro necessário, terá direito a pelo menos metade do patrimônio.

 

Aspectos doutrinários

A doutrina reconhece que a sucessão exclusiva do cônjuge traduz a valorização da afetividade e da solidariedade conjugal. Para autores como Venosa, trata-se de reflexo da concepção moderna de família, em que o vínculo conjugal é equiparado ao vínculo parental em termos de proteção sucessória.

Carlos Roberto Gonçalves destaca que o cônjuge, nessa hipótese, se torna o centro da sucessão, não apenas por razões patrimoniais, mas também pela necessidade de assegurar sua subsistência e dignidade.

 

Conclusão

Quando não há descendentes nem ascendentes, a esposa ou marido (e, por extensão, o companheiro em união estável) torna-se o herdeiro único da herança.

Esse regime jurídico reflete o esforço do direito civil brasileiro em proteger o vínculo conjugal e assegurar que o cônjuge sobrevivente não fique desamparado.

O direito real de habitação, somado à qualidade de herdeiro necessário, reforça a centralidade do cônjuge na ordem sucessória, garantindo-lhe não apenas patrimônio, mas também segurança de moradia e dignidade.

 

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Extraído de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm (Consultado no dia 14/09/2025 às 12h05).
  • Supremo Tribunal Federal. RE nº 878.694/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 10 de maio de 2017 (Tema 498). Extraído de: Supremo Tribunal Federal (Consultado no dia 14/09/2025 às 12h15).
  • Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.382.170/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28 de maio de 2013. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 14/09/2025 às 12h20).
  • Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.323.739/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13 de agosto de 2019. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 14/09/2025 às 12h25).
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 7: Direito das Sucessões. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
  • VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2021.