Artigos | Postado no dia: 29 setembro, 2025

Quando os irmãos herdam a herança

Se não há filhos, pais ou cônjuge, a lei destina a herança aos irmãos, sobrinhos, tios e até primos.

Texto Explicativo

A vocação hereditária no direito brasileiro é regida pelo artigo 1.829 do Código Civil de 2002, que organiza os grupos de sucessores em classes. Após descendentes, ascendentes e cônjuge, a lei chama os colaterais até o quarto grau para receberem a herança.

Embora ocupem posição menos privilegiada na ordem sucessória, os colaterais têm papel relevante, especialmente em situações em que o falecido não deixou descendentes, ascendentes nem cônjuge sobrevivente.

 

Base legal da sucessão dos colaterais

O artigo 1.829, inciso IV, do Código Civil, estabelece:

“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
IV – aos colaterais até o quarto grau.”

Já o artigo 1.839 prevê expressamente essa regra, complementando que, na falta de descendentes, ascendentes e cônjuge, sucedem os colaterais.

Os colaterais abrangem:

  • 2º grau: irmãos;
  • 3º grau: sobrinhos e tios;
  • 4º grau: primos.

O artigo 1.836 reforça que o grau mais próximo exclui o mais remoto, de forma que irmãos, se existirem, excluem sobrinhos, tios e primos.

 

A ordem de chamamento

A ordem sucessória entre os colaterais segue a proximidade do parentesco:

  1. Irmãos (bilaterais e unilaterais);
  2. Na falta destes, sobrinhos (representando irmãos pré-mortos);
  3. Tios;
  4. Primos.

Assim, os irmãos sempre terão preferência sobre sobrinhos, tios e primos, salvo na hipótese de representação.

Direito de representação entre colaterais

O direito de representação, no âmbito dos colaterais, é restrito: ele só existe entre filhos de irmãos, ou seja, apenas os sobrinhos podem herdar por representação (art. 1.853 CC).

Exemplo prático:
José falece sem descendentes, ascendentes ou cônjuge, deixando dois irmãos, Ana e Paulo. Paulo já havia falecido, mas deixou um filho, Ricardo.

  • Ana herdará 1/2;
  • Ricardo herdará, por representação, a parte que caberia ao pai, ou seja, 1/2.

Não há representação para tios e primos.

 

Irmãos bilaterais e unilaterais

O Código Civil estabelece uma diferença entre irmãos bilaterais (mesmo pai e mãe) e unilaterais (somente pai ou mãe em comum).

O artigo 1.841 prevê que, concorrendo irmãos bilaterais e unilaterais, cada irmão unilateral herdará metade do que couber a cada irmão bilateral.

Exemplo prático:
Carlos falece sem descendentes, ascendentes ou cônjuge, deixando dois irmãos bilaterais (João e Maria) e um unilateral (Pedro).

  • João herdará 2/5;
  • Maria herdará 2/5;
  • Pedro herdará 1/5.

Esse critério busca privilegiar os vínculos mais próximos de consanguinidade.


Exemplos práticos

Exemplo 1 – irmãos vivos:
Mariana falece sem filhos, pais ou cônjuge, deixando apenas dois irmãos, Roberto e Júlia.

  • Roberto herdará 1/2;
  • Júlia herdará 1/2.

Exemplo 2 – irmão pré-morto com sobrinhos:
Pedro falece sem descendentes, ascendentes ou cônjuge, deixando apenas uma irmã viva (Clara) e dois sobrinhos (filhos de irmão já falecido).

  • Clara herdará 1/2;
  • Os dois sobrinhos dividirão 1/2, recebendo 1/4 cada um.

Exemplo 3 – irmãos bilaterais e unilaterais:
Luiz falece sem herdeiros diretos, deixando dois irmãos bilaterais (Fernanda e Paulo) e um unilateral (Sérgio).

  • Fernanda herdará 2/5;
  • Paulo herdará 2/5;
  • Sérgio herdará 1/5.

Exemplo 4 – ausência de irmãos:
André falece sem descendentes, ascendentes ou cônjuge, deixando apenas dois tios.

  • Cada tio herdará 1/2.

 

Colaterais como quarta classe sucessória

Os colaterais compõem a quarta classe sucessória. Apenas quando não há descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente, eles são chamados.

Essa posição hierárquica demonstra que a lei prioriza os laços de filiação e conjugalidade, chamando os colaterais apenas em caráter residual.

 

A exclusão do mais remoto pelo mais próximo

O artigo 1.836 CC é fundamental: colaterais de grau mais próximo excluem os mais remotos.

Assim, se há irmãos vivos, tios e primos não herdam. Se não há irmãos, mas há sobrinhos, os tios e primos ficam excluídos.

Essa lógica simplifica a sucessão e evita pulverização excessiva da herança.

 

A herança vacante como última hipótese

Se não existirem descendentes, ascendentes, cônjuge ou colaterais até o quarto grau, a herança será declarada jacente e, depois de um período, vacante, sendo destinada ao Estado (art. 1.844 CC).

Isso reforça o caráter subsidiário da sucessão colateral: se não houver colaterais, o patrimônio não ficará sem destinação.

 

Conclusão

A sucessão dos irmãos e demais colaterais ilustra a abrangência do sistema sucessório brasileiro, que procura contemplar parentes próximos mesmo na ausência de descendentes, ascendentes ou cônjuge.

A ordem legal, a limitação do direito de representação e a distinção entre irmãos bilaterais e unilaterais conferem coerência ao modelo, assegurando que o patrimônio seja destinado preferencialmente à família consanguínea até o quarto grau.

Os colaterais, portanto, representam a última barreira antes da herança ser transferida ao Estado, garantindo que, sempre que possível, os bens do falecido permaneçam no âmbito da família.

 

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Extraído de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm (Consultado no dia 14/09/2025 às 13h05).
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 7: Direito das Sucessões. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
  • VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2021.