Artigos | Postado no dia: 22 setembro, 2025
Se não há filhos, quem herda?
Na falta de descendentes, os pais do falecido são chamados a receber a herança, mas sempre em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
Texto Explicativo
A ordem da vocação hereditária, prevista no artigo 1.829 do Código Civil de 2002, organiza de maneira hierárquica os chamados à sucessão legítima. Após os descendentes, que constituem a primeira classe de herdeiros, a lei estabelece que, na sua ausência, a herança seja deferida aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
O legislador buscou assegurar que a herança retorne, em primeiro lugar, àqueles que deram origem ao falecido, ou seja, seus pais, preservando o vínculo intergeracional.
Base legal da sucessão dos ascendentes
O artigo 1.829, inciso II, do Código Civil prevê:
“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge.”
A norma, complementada pelo artigo 1.837, estabelece como se dará essa divisão:
- Havendo ambos os pais vivos, cada um recebe 1/4 da herança, e o cônjuge recebe 1/2;
- Havendo apenas um dos pais, este recebe metade da herança, enquanto o cônjuge recebe a outra metade;
- Havendo ascendentes de linhas distintas (materna e paterna), o cônjuge recebe metade, e cada linha recebe 1/4.
O artigo 1.836 do Código Civil reforça que o parente de grau mais próximo exclui o mais remoto. Assim, se há pai ou mãe vivos, os avós não herdarão.
A posição dos pais na sucessão
Os pais do falecido são os primeiros da classe dos ascendentes. Em regra, ambos concorrem com o cônjuge sobrevivente, recebendo cada qual a fração estabelecida na lei.
Exemplo prático:
Rafael falece casado em comunhão parcial, sem deixar filhos, mas deixando seus pais, João e Maria.
- João herdará 1/4;
- Maria herdará 1/4;
- A viúva herdará 1/2.
Se apenas a mãe estiver viva:
- Maria herdará 1/2;
- A viúva herdará 1/2.
Se não houver pais, mas apenas avós, a herança se distribui entre eles, sempre respeitada a concorrência com o cônjuge.
Grau mais próximo e exclusão do mais remoto
A regra de exclusão do mais remoto pelo mais próximo é central para compreender a sucessão dos ascendentes. Havendo pai ou mãe, os avós não herdam. Havendo avós, os bisavós só herdarão se não houver ascendentes em grau anterior.
Essa hierarquia preserva a lógica de que a herança deve retornar aos ascendentes mais próximos, garantindo a reciprocidade entre gerações.
A concorrência do cônjuge com os ascendentes
O cônjuge sobrevivente, em todos os casos, concorre com os ascendentes, não havendo hipóteses de exclusão.
Aqui, diferentemente da concorrência com os descendentes, o regime de bens não altera a regra: o cônjuge sempre receberá parte da herança. Isso significa que, mesmo no regime de comunhão universal, em que já teria direito à meação, o cônjuge concorrerá também como herdeiro.
Essa particularidade foi destacada por diversos autores, como Carlos Roberto Gonçalves e Sílvio de Salvo Venosa, que reconhecem no cônjuge uma posição privilegiada quando não há descendentes.
Jurisprudência
A jurisprudência brasileira confirma essas regras. O STJ já analisou casos em que havia dúvida sobre a extensão da participação do cônjuge, reafirmando a prevalência do artigo 1.837 CC.
No REsp 1.382.170/SP, embora o tema fosse a concorrência com descendentes, o STJ destacou que a participação do cônjuge com ascendentes independe do regime de bens, aplicando-se de forma automática.
O STF, por sua vez, ao julgar o RE 878.694/MG, reconheceu a equiparação sucessória entre cônjuge e companheiro. Esse entendimento tem reflexo também na sucessão com ascendentes: o companheiro em união estável concorre nas mesmas condições que o cônjuge sobrevivente.
Casos práticos
Exemplo 1:
Luiz falece casado em comunhão universal, sem filhos, deixando pai e mãe vivos.
- O cônjuge herda 1/2;
- O pai 1/4;
- A mãe 1/4.
Exemplo 2:
Beatriz falece casada em separação convencional, sem filhos, deixando apenas o pai.
- O cônjuge herda 1/2;
- O pai herda 1/2.
Exemplo 3:
André falece casado em comunhão parcial, sem filhos, deixando apenas avós (paterno e materno).
- O cônjuge herda 1/2;
- A linha paterna herda 1/4;
- A linha materna herda 1/4.
O direito de representação entre ascendentes
Diferentemente da linha descendente, não há direito de representação entre ascendentes. Isso significa que, se um dos pais tiver falecido, sua parte não se transmite a outro ascendente da mesma linha.
Assim, se apenas um dos pais estiver vivo, ele herda metade, e a outra metade cabe ao cônjuge. Os avós não recebem a parte do pai falecido.
A proteção constitucional à família
A Constituição Federal assegura especial proteção à família e, por consequência, à solidariedade intergeracional. A sucessão dos pais em concorrência com o cônjuge reflete essa diretriz, garantindo que a herança permaneça no núcleo familiar mais próximo.
O STF, em diversos julgados, tem reforçado o princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, bem como a necessidade de proteção à entidade familiar, independentemente de sua configuração.
O planejamento sucessório e os ascendentes
A sucessão dos ascendentes, em regra, só ocorre quando não há filhos. Contudo, esse cenário é relativamente comum em famílias sem descendentes diretos, e deve ser considerado no planejamento sucessório.
A elaboração de testamentos pode, inclusive, alterar a destinação da parte disponível, mas a concorrência entre ascendentes e cônjuge sempre deverá ser observada quanto à legítima.
Conclusão
A sucessão dos pais do falecido, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, demonstra o equilíbrio buscado pela lei entre a proteção aos ascendentes e ao companheiro que permaneceu ao lado do falecido.
A ordem de chamamento, a divisão proporcional estabelecida no art. 1.837 CC e a impossibilidade de representação entre ascendentes refletem um sistema coerente, que busca preservar os laços familiares mais próximos.
Assim, se não há filhos, são os pais os principais herdeiros, sempre ao lado do cônjuge, garantindo que a herança seja transmitida de forma justa e equilibrada.
Referências Bibliográficas
- BRASIL. Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Extraído de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm (Consultado no dia 14/09/2025 às 11h05).
- Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.382.170/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28 de maio de 2013. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 14/09/2025 às 11h15).
- Supremo Tribunal Federal. RE nº 878.694/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 10 de maio de 2017 (Tema 498). Extraído de: Supremo Tribunal Federal (Consultado no dia 14/09/2025 às 11h20).
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 7: Direito das Sucessões. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2021.