Artigos | Postado no dia: 28 outubro, 2025
Testamento Público: A Vontade do Testador como Lei Suprema da Herança
Conteúdo:
Você sabia que o Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado, de forma enfática, que deve prevalecer a vontade do testador expressa no testamento público?
Entenda por que esse ato solene é o mais seguro, legítimo e respeitado instrumento de disposição de última vontade no Direito brasileiro.
Texto Explicativo:
O testamento público é a forma mais solene e segura de disposição de última vontade prevista em nosso ordenamento jurídico. Regulamentado nos artigos 1.862 a 1.865 do Código Civil, é lavrado pelo tabelião de notas em livro próprio, na presença de duas testemunhas, devendo ser lido em voz alta e assinado por todos os presentes. Essa solenidade garante não apenas a autenticidade do ato, mas sobretudo a proteção da vontade livre do testador, que constitui o núcleo do testamento.
A doutrina de Pablo Stolze Gagliano (2023) ressalta que o testamento é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo, solene, gratuito e revogável, no qual o testador declara sua vontade de forma autônoma, podendo dispor de seus bens e realizar atos não patrimoniais — como o reconhecimento de filhos, a instituição de fundação, a nomeação de tutor ou o perdão de herdeiros indignos. Como ensina Stolze, o testamento “é a mais pura expressão da autonomia privada post mortem”.
No testamento público, a forma ad solemnitatem cumpre uma função de proteção jurídica e psicológica do testador: o tabelião assegura que a vontade seja livre de coação e que as formalidades legais sejam rigorosamente observadas. Essa estrutura é o que faz o testamento público ser considerado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) o instrumento menos suscetível a fraudes e manipulações, prevalecendo sobre alegações frágeis de nulidade ou vício de consentimento.
A jurisprudência do STJ e a prevalência da vontade do testador
Diversos julgados do STJ reafirmam que, nas ações de nulidade ou anulação de testamento público, a vontade do testador deve prevalecer, desde que observadas as formalidades essenciais e ausente prova robusta de vício de consentimento.
No REsp nº 2.005.052/SP, Relatoria da Ministra Nancy Andrighi (julgado em 04/10/2022), o Tribunal reafirmou que a mera amizade entre testemunha instrumentária e herdeiro testamentário não é suficiente para invalidar o testamento, especialmente quando lavrado em cartório sob supervisão do tabelião. A decisão destacou que o testamento público é a modalidade mais segura e menos sujeita a fraudes, sendo admissível a flexibilização de formalidades quando o rigor excessivo pudesse frustrar a verdadeira vontade do testador. A Corte reforçou que “as formalidades devem ser analisadas à luz da diretriz máxima da preservação da vontade do testador”, citando precedente paradigmático (REsp 1.633.254/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 18/03/2020).
Em outra decisão paradigmática, no AgInt no AREsp nº 1.319.735/RJ, relatado pelo Ministro Antonio Carlos Ferreira (julgado em 26/04/2021), o STJ reiterou que a aferição de vício de consentimento e de eventual irregularidade formal demanda análise de provas, o que é vedado na instância especial (Súmula 7/STJ). No entanto, o Tribunal reforçou o entendimento de que a finalidade maior do direito sucessório testamentário é a preservação da manifestação de última vontade do falecido, sendo as formalidades interpretadas conforme essa diretriz.
De igual modo, no recente AgInt no AREsp nº 2.432.802/SE, julgado em 02/04/2025, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, a Corte reconheceu a validade do testamento público no qual o falecido, casado sob o regime de comunhão universal de bens, deixou à esposa meeira a totalidade da parte disponível de seu patrimônio. A Turma entendeu que o regime de bens não impede a disposição testamentária da parte disponível em favor do cônjuge, conforme os arts. 1.846 e 1.857 do Código Civil, reafirmando que “em relação à parte disponível, é dado ao falecido dispor como lhe aprouver, inclusive destinando-a à viúva meeira”. A decisão harmoniza-se com precedentes da Terceira e Quarta Turmas, consolidando o entendimento de que a liberdade de testar é expressão da autonomia privada e só encontra limite na legítima dos herdeiros necessários.
Esses julgados revelam uma orientação clara e coerente do Superior Tribunal de Justiça: o testamento público, quando regularmente formalizado, goza de presunção de validade, e apenas provas cabais de coação, incapacidade ou fraude podem infirmá-lo. O formalismo excessivo deve ceder à finalidade essencial do instituto — resguardar a vontade do testador.
Requisitos essenciais do testamento público
Conforme o artigo 1.864 do Código Civil, o testamento público deve observar os seguintes requisitos:
- Ser lavrado por tabelião ou seu substituto legal, em seu livro de notas, de acordo com a vontade declarada do testador;
- Estar presente duas testemunhas idôneas;
- Ser lido em voz alta pelo tabelião ou pelo testador, em presença das testemunhas;
- Ser assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
A inobservância desses requisitos pode ensejar nulidade, mas a jurisprudência do STJ tem admitido flexibilização das formalidades não essenciais quando o ato reflete inequivocamente a vontade do testador e não há prejuízo às partes.
A função protetiva do tabelião e a segurança jurídica
O tabelião exerce papel de destaque na conformação do testamento público. É ele quem assegura que o testador possua discernimento, que compreenda o conteúdo do ato e que o instrumento seja elaborado de modo fiel à sua vontade. Essa função notarial confere autenticidade, publicidade e segurança jurídica, tornando o testamento público o meio preferencial para quem busca evitar litígios sucessórios.
A doutrina e a jurisprudência convergem, portanto, em torno de um princípio fundamental: a forma existe para servir à vontade, e não para anulá-la. Assim, quando a vontade do testador é clara, consciente e juridicamente possível, o testamento público deve ser respeitado como expressão máxima de sua autonomia.
Conclusão
O testamento público representa o mais legítimo instrumento de liberdade e planejamento sucessório. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem consolidado a diretriz de que a vontade do testador é a lei suprema da herança, e as formalidades legais, embora indispensáveis, devem ser interpretadas como meios de preservação — e não de frustração — dessa vontade.
Em um país que ainda carece de cultura testamentária, o testamento público oferece segurança, previsibilidade e respeito à última vontade do falecido, evitando disputas familiares e garantindo que a sucessão se realize conforme sua livre disposição.
Referências Bibliográficas
- Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 2.005.052/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/10/2022. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 27/10/2025 às 07h15).
- Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 1.319.735/RJ, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/04/2021. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 27/10/2025 às 07h15).
- Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp nº 2.432.802/SE, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 02/04/2025. Extraído de: Superior Tribunal de Justiça (Consultado no dia 27/10/2025 às 07h15).
- GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Direito das Sucessões. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Sucessões. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024.
- Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.